segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Eu sempre fui meio ligado em lugares abandonados, construções inacabadas, esse tipo de coisa. Sempre gostei de lugares secretos, onde pudesse ir com meus amigos. Fazíamos uma espécie de clube secreto, onde quem quisesse entrar teria que passar por uma série de testes e aprovação.
(Uma vez quando era criança, morava num prédio, onde tinha muitas crianças. O síndico era um velho ranzinza que não gostava desse tipo de criatura. Seu Ivo. Pra ele eu era o pior, o influenciador, dissimulador, anarquista, responsável por todas rugas de sua testa. Eu era seu alvo principal. O vizinho de cima, que fazia barulho no seu teto, que atormentava sua cabeça.
Sua esposa, não lembro o nome, era uma boa senhora, que gostava de crianças. Era a diplomata do prédio nessa nossa guerra pessoal.
Reunião de Condomínio. Pauta número um da Ata: o mau comportamento do filho dos Esmério, do 201. Sempre a mesma história. Seu Ivo era incansável. Mas não tinha grande prestígio entre os condônimos, o que dificultava seus planos de me ver por longe do seu prédio).
Havia uma casa abandonada na esquina do prédio onde morávamos, que todos diziam ser mal assombrada. Fazíamos reuniões durante o dia. As gurias levavam comida, e os guris bebida. Passávamos horas conversando, conspirando...as eleições para eleger o novo síndico estavam próximas, e precisávamos criar problemas para Seu Ivo. Tirar sua tranqülidade, manchar sua reputação, para convencer os adultos de que ele não dava conta do recado.
Mas minha idéia sempre foi fazer reuniões as escuras, Na calada da noite, quando todos estivessem dormindo. Sempre achei que fosse mais "classudo". Mas a maioria era contra. Reunião na casa mal assombrada à noite? Nem pensar!
Precisava de um novo esconderijo. Uma nova sede para o clube. Mesmo que fosse por pouco tempo. Já tinha tudo planejado.
O vizinho do 104 era um cara legal, nunca nos causou problemas. Estava de partida, iria morar em outra cidade, e seu apartamento seria alugado. Precisava devolver as chaves ao síndico, mas estava ocupado com a mudança, estava ansiado.
Sempre fui muito prestativo, desde criança. Gosto de ajudar as pessoas, e se isso puder me beneficiar, ou melhor, beneficiar à causa, os ideais das pessoas que estava defendendo, fico grato. Fiquei responsável pela devolução das chaves do 104.
Não poderia roubá-las, seria impossível, e contra os princípios do clube. Fazer cópias levaria um tempo, e isso nós não tinhamos. Precisava entregar as chaves, sem causar suspeita. Entreguei o molho de chaves pro meu pai. Disse a ele que o vizinho do 104 havia pedido pra ele entregar ao Seu Ivo. As chaves foram entregues. Ninguém suspeitou.
O vizinho do 104 estava esgotado. Cansado e estressado com todos os preparativos da mudança. Seria normal se ele esquecesse de devolver uma chave, como a da sacada, por exemplo.
Era algo arriscado, mas deu certo. Usamos o apartamento 104 durante as noites de uma semana, sem que ninguém desconfiasse. Agora tinhamos mais tempo durante o dia pra por em prática os planos que surgiam à noite.
Na reunião da eleição de condomínio, "A Reunião da Vitória", devolvemos a chave através de um "laranja": o pai do Gustavo.
Hoje percebo uma construção abandonada na esquina da minha casa. É simplesmente perfeita. Dois andares, praticamente isolada de vizinhos próximos.
Mas há um problema com ela: não vejo nenhuma criança por perto. Ninguém que possa dar a entender que aquela casa já tem dono. Não vejo ninguém dominando o pedaço. Será que eu que virei adulto, e me tornei cego a astúcia infantil, ou não existe mais infância? Será que elas preferem conquistar o mundo por um jogo de vídeo-game, ao invés de conquistar uma simples casa abandonada? Simples porém real. Onde estão as crianças meu Deus? Hoje a noite vou descobrir.